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Archive for November 7th, 2008

Acadêmicos

Não é de propósito, não parece ser de propósito. Mas me irrita profundamente. Professor entra na sala. Professor explana sobre seu currículo, pontuando, é claro, que foi orientando de um gênio durante um mestrado, que traduziu o livro de outro pouco depois. Ninguém pode culpá-lo. Afinal, qualquer curso começa com a apresentação de seu professor. É sua obrigação, não vício da vaidade.

Durante a aula, todas as informações na ponta da língua. Inclusive com pequenas fofocas acadêmicas e piadas planejadas e cultivadas na experiência de anos de aula. É fácil notar sacadas prontas, para quem tem certa experiência em sentar em carteiras. Mas é claro que o professor conta com a falta de experiência dos alunos – e com a incapacidade deles de perceber que tudo aquilo que parecia tão espontâneo e engraçado não passa de uma encenação. Sorte dele que a encenação é, para mim, a única maneira de atingir a verdade. Mas vamos voltar ao professor.

Um dos maiores críticos de teatro da atualidade. Pelo menos até um mês, quando escrevia para o maior jornal do Brasil. Ou seja, vale a pena escutar este cara. Mas tantos outros detalhes tiravam minha atenção. Ele é sério, muito sério. Tem a pose de acadêmico sisudo – que se abre para brincadeiras de quando em quando, mas conserva a postura de gente importante. Em suas histórias, não quer revelar os envolvidos. Porque acha que isso vai ter alguma conseqüência. É claro que vai mesmo. Mas o fato dele saber disso diz muito mais sobre o assunto. Ele não é um qualquer, é um iniciado nos trâmites da carreira acadêmica.

Por isso me olha como se fosse melhor do que eu. E ainda se envaidece quando percebe um olhar admirado. Cita Molière, porque não se sai de uma aula de crítica teatral sem citar Molière. O mesmo com Shakespeare. Ele não faz de propósito. Ele não parece fazer de propósito.

Mas me deu um certo nojo do procedimento todo. Eu volto para a aula da semana que vem, mas preciso me policiar para não desviar a atenção para o tal procedimento todo. Ele me lembra que, para ser bem sucedido neste meio, é preciso praticar uma habilidade conhecida como marketing pessoal. Entenda este meio por vida humana no século XXI. Ele conhece todo mundo no teatro. É amigo de todo mundo no teatro. E ainda assim acha que isso não prejudica em nada sua percepção dos espetáculos a que assiste.

Parte de fazer crítica de teatro é tomar chopp na Praça Roosevelt? É fazer parte da panelinha central do teatro? Como isso ajuda? É perfeitamente compreensível que ele queira se tornar amigo das pessoas que admira no palco, de quem fala bem de seu trabalho. Mas ele me perdeu. Meses antes de sua saída da Folha de S.Paulo, eu já não lia mais Sérgio Sálvia Coelho. Eu freqüento a praça, eu sei com quem ele anda, eu posso tentar dizer quem ele é. E posso encontrar em sua crítica resquícios muito profundos disso.

Outro ponto: o crítico que vem da arte, que se formou em direção teatral pela Usp e fez um mestrado em dramaturgia, não sabe o que é leitor. A noção mais clara do jornalismo é que ele não existiria sem este pequeno detalhe: aquele que abre a página do jornal e dá vida ao seu texto. Para o crítico que estamos criticando aqui, é óbvia a idéia de que a interpretação da platéia é parte do processo de composição de uma obra teatral. Mas não dá muito crédito àquilo que o seu público pode pensar do que lê. Entre os tipos de crítica, cita sempre o texto em relação ao encenador. A crítica pedagógica é aquela que ensina o encenador a melhorar seu trabalho. Então não existe um nome para definir aquela crítica que presta atenção no leitor e o citua no espetáculo? A postura é o equivalente a assumir – e fazer as pazes com – a idéia de que só quem lê sobre teatro é quem faz teatro. Eu leio. Eu não faço, eu gosto. É egoísmo demais querer que o jornal que eu comprei pense um pouco em mim?

Eu tenho um projeto de monografia sobre como o gosto – e o capital do gosto, já que eu ia me meter pelos franceses pra justificar isso – interfere na postura do crítico teatral. Para análise de caso, ia me concentrar em Folha, Estado e Bravo. Como estudo (pouco), trabalho (muito) e tenho um almanaque de séries para concluir, deixei pra fazer isso num futuro mestrado, que pode vir um dia se eu me sentir inteligente o suficiente e conseguir reunir cada gotinha de espírito acadêmico-prepotente que existe em mim.

Quem sabe eu consiga responder por que a crítica se concentra tanto nela mesma e nas pessoas de quem fala. Resenhistas sem formação jornalística (e os jornalistas ruins também) costumam tratar a crítica como um exercício de criação de uma obra de arte em público. O papel é seu palco. Dialogam com o objeto analisado, para usar termos mais científicos, na presença de uma platéia. Mas não conseguem olhar para os olhos de quem está sentado, tomá-lo pela mão e convidá-lo a participar do espetáculo.

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